A Biblioteca podia chamar-se Liberdade
Eu canto para ti Lisboa à tua espera
teu nome escrito com ternura sobre as águas
o teu retrato em cada rua onde não passas
trazendo no sorriso a flor do mês de Maio.
Há alguns anos, um amigo meu num dos aniversários do 25 de Abril, teve a gentileza de me oferecer um pequeno texto. (Lê! Podemos discordar politicamente do Manuel Alegre, mas é um grande Poeta). Eu li: “Nasci em Maio, o mês das rosas, diz-se”.
Nunca mais recuperei do choque, nunca mais me esqueci. As minhas lágrimas não foram de sangue, mas rolam incessantes sempre que volto a acordar tranquilamente nesse mês de Maio (não me perguntem porquê, sou um tonto).
Talvez porque nunca tive que renunciar à felicidade para ser feliz.
Para a minha geração (a primeira) dormir, acordar, nascer, crescer, viver, morrer tem sido o rito no rito das estações. Dormi sempre poisado na eternidade e tudo esteve sempre certo. Nunca tive que testar as traves mestras da minha cabeça. Os fantasmas nunca vieram de repente a meio da noite e se vieram não foi para me levarem, foi para eu os transportar comigo ternamente.
Em Abril de 2004, nos trinta anos do 25 de Abril, tranquilamente, fui ter com a professora Clara Salvado:
- Clara!
(Posso convidar o Manuel Alegre para vir à Escola? O Manuel Alegre? Hum o Manuel Alegre é muito importante para vir a Marvila).
Escrevi uma carta emocionada e esperei.
(O Manuel Alegre aceitou vir. Oops!)
- Clara!
Nesse ano em que os 30 anos sobre o 25 de Abril passavam não pôde vir. A maldita doença. A política (que rima com Ítaca).
Anos tranquilos se viveram entretanto e o tempo das rosas passou e o tempo das rosas voltou. E o perfume das rosas inundou a nossa memória, o perfume deslumbrante das rosas.
O perfume inebriante das rosas ensinou-nos nesses anos que a dura poesia e a terna política são uma e uma só Arte.
Tu Liberdade que nos entraste de mansinho, n’ Aquela alegre e clara madrugada, manhãzinha cedo e que nos tens deixado acordar tranquilamente em todos os Maios floridos das nossas vidas, Tu Liberdade que nos permites saborear apaixonadamente o perfume das rosas, Tu Liberdade poderias ser o nome de todas as Bibliotecas, Tu Liberdade que permites docemente que te desprezem, poderias consentir um nome para a nossa Biblioteca.
Manuel Alegre, sim, Manuel Alegre é um dos nomes em quem Tu Liberdade mais confias para guardar as virtudes que contigo trazes, Manuel Alegre é um dos nomes que Tu Liberdade mais ardentemente desejas para cantar os segredos que contigo vivem, Manuel Alegre é um nome em quem Tu Liberdade mais acreditas para espalhar a dor que conquistar te custa, Manuel Alegre é um dos raros nomes a quem Tu Liberdade consentirias a tarefa heróica de proclamar a arte que de viver consentes.
Por isso,
Eu canto para ti um mês de giestas.
Lisboa, 30 de Abril de 2010
Joaquim N S Martins
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